“Essa é a
história de Inácio.
Filho único,
criado por sua mãe e seu padrasto. Pai falecido quando ele ainda era um bebê.
O padrasto gostava
de ficar de conversa e de bebida. Sua mãe era quem buscava o sustento do lar
pelo mundo a fora.
Quando
apanhava da mãe, sentia que não era a ele que ela via quando olhava nos
seus olhos.
Quando
apanhava do padrasto, não via seus olhos.
Ainda jovem
fugiu de casa, com o corpo e com o coração cheios de cicatrizes.
E gostaríamos
de contar que apesar dos pesares, ele superou as dores do mundo e foi luz e
amor em seu caminho. Não podemos.
Uma vida
cheia de raiva, cheia de dor. Muitos lares foram feridos por suas mãos. Muitas
lágrimas foram derramadas por sua presença.
Um dia o
corpo de Inácio faleceu.
E lúcido de
que a sua consciência continuou viva apesar da veste biológica em putrefação,
paralisou-se.
Luzes
apareceram e ofereceram ajuda.”Está tudo bem. Venha conosco, vamos começar a
curar a sua dor e, juntos, auxiliaremos na dor de todos que passaram pelo seu caminho.”
Não! Não,ele não
se sentia digno. O que tinha feito era sujo e dolorido demais. Ele correu,
correu, tentando fugir de si mesmo.
Encontrou um
lugar fétido e escuro que representava bem como se sentia por dentro. E não
queria mais sair dali.
Permitiu que
toda sorte de abusadores maltratassem aquilo que ele representava.
E todas as
vezes em que era visitado por nós, encolhia-se e congelava.
“Querido
Inácio, de que vale seu sofrimento? Tudo o que você ofereceu durante a sua vida
era a melhor resposta que você tinha para dar. Ferir-se não será remédio para
nenhuma das pessoas que você machucou. Venha, nos acompanhe. Mostraremos a você
como reparar cada situação de que se arrepende.”
Por muitas
vezes conversamos com Inácio, sem que ele levantasse sua cabeça. Sabíamos que
apesar de não responder, nossos sentimentos amorosos fluíam como bálsamo para a
dor de seu coração.
Um dia,
Inácio permitiu-se receber ajuda.
Hoje trabalha
junto conosco, descendo aos lugares mais escuros, buscando aqueles que procuram
esconder-se de si mesmo assim como ele fez um dia. Ele sempre é um dos
primeiros a se embrenhar nos emaranhados escuros, e muitas vezes trouxe no colo
irmãos deformados por autoflagelos.
Ele pede
agora que esta mensagem fique bem clara.
Está tudo
certo. É possível reparar a semeadura espinhosa com serviço e com amor. O sofrimento é uma escolha pessoal. A dor não
agrega cura ao sistema. Ela apenas permite que o algoz sinta-se quite consigo
mesmo para poder se olhar novamente.
Quando um
vaso é quebrado e sua água é derramada, qual a melhor solução para o sistema?
Correr para longe quebrando a si mesmo por anos a fio? Ou, abaixar-se, juntar
os pedacinhos um a um, e limpar o conteúdo extravasado?
O sofrimento
é uma escolha pessoal. A culpa é toxina paralisante. O autoflagelo é um recurso
à falta de acolhimento e amor consigo mesmo.
Serviço com
Amor. Acolher a seus próprios limites do presente. Estender a mão e o olhar
compassivo a todos ao seu redor. Estamos todos juntos, na mesma sala cheia de
vasos quebrados. Há muitos panos e cola por aqui. E não há julgamentos. “
E era Inácio
quem aparecia, quando nas conversas em meu consultório a questão era “o que
fazemos conosco - mesmo que inconscientemente - quando sentimos culpa”. Inspirado
por ele, eu bagunçava toda minha mesa montando cenários para ilustrar as palavras.
Gratidão, gratidão,gratidão.
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